Por que o Conhecimento Secreto Permanece Oculto? Uma conversa entre Ouspensky e Gurdjieff
Perguntou o discípulo (Ouspensky) ao mestre:
Por que o conhecimento se mantém tão cuidadosamente secreto? Se o Antigo Conhecimento foi preservado e se existe, falando de um modo geral, um conhecimento diferente de nossa ciência e de nossa filosofia que até as ultrapasse, por que ele não se torna propriedade comum? Por que seus detentores se recusam a deixa-lo entrar no circuito geral da vida, favorecendo uma luta mais decisiva contra a mentira, o mal e a ignorância?
E assim o mestre (Gurdjieff) lhe respondeu:
Há duas respostas. Primeiro, esse conhecimento não mantém secreto; Segundo, ele não pode, por sua própria natureza, tornar-se propriedade comum. Examinaremos, em primeiro lugar, esse segundo ponto. Vou lhe provar em seguida que o conhecimento é muito mais acessível do que geralmente se acredita àqueles que são capazes de assimilá-lo; todo o mal é que as pessoas não querem ou não podem receber.
Mas, antes de tudo, deve-se entender que o conhecimento não pode pertencer a todos, não pode sequer pertencer à maioria. Tal é a lei. Você não a compreende porque não se dá conta de que, como qualquer coisa no mundo, o conhecimento é material. Isso significa que ele possui todos os caracteres da materialidade. Ora, um dos primeiros caracteres da materialidade implica numa limitação da matéria. Quero dizer que a quantidade de matéria, num dado lugar e em dadas condições, é sempre limitada. Até a areia do deserto e a água do oceano existem em quantidade invariável e estritamente medida. Por conseguinte, dizer que o conhecimento é material é dizer que há uma quantidade definida num lugar e num tempo dados.
Pode-se, pois, afirmar que, durante certo período, digamos um século, a humanidade dispõe de uma quantidade definida de conhecimento. Sabemos, porém, por uma observação mesmo elementar da vida, que al matéria do conhecimento possui qualidades inteiramente diferentes, conforme seja absorvida em pequena ou em grande quantidade. Tomada em grande quantidade num dado lugar por um homem, por exemplo, ou por um pequeno grupo de homens - produz muito bons resultados; tomada em pequena quantidade por cada um dos indivíduos que compõem uma massa muito grande de homens, não dá resultado algum, a não ser, por vezes, resultados negativos, contrários aos que se esperavam. Portanto, se uma quantidade definida de conhecimento vier a ser distribuída entre milhões de homens, cada indivíduo receberá muito pouco e essa pequena dose de conhecimento nada poderá mudar, nem em sua vida nem em sua compreensão das coisas. Seja qual for o número dos que absorvam essa pequena dose, o efeito em suas vidas será nulo, a não ser que se torne ainda mais difícil.
Mas se, ao contrário, grandes quantidades de conhecimento puderem ser concentradas em um pequeno número, então este conhecimento trará grandes resultados. Desse ponto de vista, é muito mais vantajoso que o conhecimento seja preservado por um pequeno número e não difundido entre as massas
Se, para dourar objetos, tomamos certa quantidade de ouro, devemos conhecer o número exato de objetos que ela nos permitirá dourar. Se tentarmos dourar um número muito grande de objetos, ficarão dourados desigualmente, com manchas, e parecerão bem piores do que se nunca tivessem sido dourados; de fato, teremos desperdiçado o nosso ouro.
A repartição do conhecimento baseia-se num princípio rigorosa- mente análogo. Se o conhecimento fosse dado a todo mundo, ninguém receberia nada. Se for reservado a um pequeno número, cada qual receberá o suficiente, não apenas para guardar o que recebe, mas para aumentá-lo.
À primeira vista, essa teoria parece muito injusta, porque a situação daqueles a quem o conhecimento, de certo modo, é recusado para que outros possam receber mais, parece muito triste, imerecida e mais cruel do que deveria ser. A realidade é, entretanto, muito diferente; na distribuição do conhecimento não há sombra de injustiça. "É um fato que a enorme maioria das pessoas ignora o desejo de conhecer; recusam sua quota de conhecimento, descuidam até de tomar, na distribuição geral, a parte que lhes cabe para as necessidades de sua vida. Isto é particularmente evidente em períodos de loucura coletiva, de guerras, revoluções, quando os homens parecem perder, de repente, até o grãozinho de bom senso que tinham comumente e, tornados em perfeitos autômatos, entregam-se a massacres gigantescos, como se não tivessem mais sequer o instinto de conservação. Enormes quantidades de conhecimento permanecem assim, de certo modo, não reclamadas e podem ser distribuídas aos que sabem apreciar lhe o valor.
Não há nada de injusto em tudo isso, porque os que recebem o conhecimento não estão tirando nada que pertença a outros, não despojam ninguém; apenas tomam o que foi rejeitado como inútil e que ficaria, em todo caso, perdido se não o tomassem. O acúmulo do conhecimento por uns depende da rejeição do conhecimento por outros.
Na vida da humanidade, há períodos que coincidem geralmente com o começo do declínio das civilizações, em que as massas perdem irremediavelmente a razão e se põem a destruir tudo o que séculos e milênios de cultura haviam criado. Tais períodos de loucura que coincidem frequentemente com cataclismos geológicos, perturbações climáticas e outros fenômenos de caráter planetário, liberam uma quantidade muito grande dessa matéria do conhecimento. O que requer um trabalho de recuperação, sem o qual ela se perderia. Assim, o trabalho de recolher a matéria esparsa do conhecimento coincide frequentemente com o declínio e a ruína das civilizações.
"Esse aspecto da questão é claro. As massas não procuram o conhecimento, não o querem, e seus chefes políticos - por interesse - só reforçam essa aversão, esse medo a tudo o que é novo e desconhecido. O estado de escravidão da humanidade tem por fundamento esse medo. É até difícil imaginar todo o seu horror. Mas as pessoas não compreendem o valor do que perdem assim. E, para entender a causa de tal estado, basta observar como vivem as pessoas, o que constitui a razão de viver delas, o objeto de suas paixões ou aspirações, em que pensam, de que falam, o que servem e o que adoram. Veja para onde vai o dinheiro da sociedade culta de nossa época; deixando de lado a guerra, considere o que dita os mais altos preços, para onde vão as multidões mais densas. Refletir por um momento em todos esses desperdícios, deixa claro, então, que a humanidade tal qual é atualmente, com os interesses pelos quais vive, não pode esperar outra coisa senão o que tem. Mas, como já disse, não poderia ser diferente. Imagine que haja, para toda a humanidade, apenas meio quilo de conhecimento disponível por ano! Se esse conhecimento fosse difundido entre as massas, cada qual receberia tão pouco que continuaria sendo o louco de sempre.
Mas, devido a que só alguns homens desejam esse conhecimento, os que o pedem poderão receber dele, por assim dizer, cada qual um grão e adquiri a possibilidade de se tornarem mais inteligentes. Todos não poderiam ser mais inteligentes, mesmo que o desejassem. E se isto acontecesse não serviria para nada, pois existe um equilíbrio geral que não poderia ser invertido.
Eis um aspecto. O outro, como já disse, refere-se ao fato de que ninguém esconde nada; não há o menor mistério. Mas a aquisição ou transmissão do verdadeiro conhecimento exige grande trabalho e grandes esforços, tanto da parte do que recebe como da que dá. E os que possuem esse conhecimento fazem tudo o que podem para transmiti-lo e comunica-lo ao maior número possível de homens, para lhes facilitar a aproximação e torná-los capazes de se prepararem para receber a verdade. Mas o conhecimento não pode ser imposto pela força aqueles que não o querem e, como acabamos de ver, um exame imparcial da vida do homem médio, de seus interesses, do que preenche seus dias, demonstrará imediatamente que é impossível acusar os homens que possuem o conhecimento de escondê-lo, de não desejarem transmiti-lo ou de não desejarem ensinar aos outros o que eles mesmos sabem.
Aquele que deseja o conhecimento deve fazer, ele mesmo, os primeiros esforços para encontrar a sua fonte, para aproximar-se dela, ajudando-se com as indicações dadas a todos, mas que as pessoas, via de regra, não desejam ver nem reconhecer. O conhecimento não pode vir aos homens gratuitamente, sem esforços de sua parte. Eles compreendem isso muito bem, quando se trata apenas dos conhecimentos ordinários, mas, no caso do grande conhecimento, quando admitem a possibilidade de sua existência, acham possível esperar algo diferente. Todo mundo sabe muito bem, por exemplo, que um homem deverá trabalhar intensamente durante vários anos, se quiser aprender chinês; ninguém ignora que são indispensáveis cinco anos de estudos para aprender os princípios da medicina e talvez duas vezes mais para o estudo da música ou da pintura.
E, no entanto, certas teorias afirmam que o conhecimento pode vir às pessoas sem esforços de sua parte, que pode ser adquirido até mesmo dormindo. O simples fato da existência de semelhantes teorias constitui uma explicação suplementar para o fato de que o conhecimento não pode alcançar as pessoas. Entretanto, não é menos essencial compreender que os esforços independentes de um homem para alcançar seja o que for nessa direção não podem dar nenhum resultado por si mesmos. Um homem só pode alcançar o conhecimento com a ajuda dos que o possuem. Isso deve ser compreendido desde o início.
E necessário aprender com os que sabem.